sábado, 20 de agosto de 2011

Substituto de juíza assassinada diz que escolta não deve depender de ameaças

Atendendo ao pedido do presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Manoel Rêbelo, o juiz Fábio Uchôa assumiu na última terça-feira (16) o posto de juiz titular da 4° Vara Criminal de São Gonçalo. O cargo era antes ocupado pela juíza Patrícia Acioli, que foi assassinada com 21 tiros no dia 11.

Ofício revela que TJ do Rio negou escolta à juíza executada

Classificado como “linha-dura”, Uchôa está temporariamente afastado do 1° Tribunal do Júri da Capital, onde já comandou inúmeros julgamentos relevantes, sendo o mais conhecido o do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, condenado a 28 anos de prisão por matar o jornalista Tim Lopes.

Agora, dividindo o expediente com os juízes auxiliares, Alexandre Oliveira Carvalho e Cláudia Márcia Gonçalves, o magistrado tem a difícil tarefa de analisar 1,2 mil processos deixados pela juíza Patrícia.

Em entrevista ao UOL, Uchôa que se definiu como “legalista” e criticou a legislação penal e processual, especialmente o que qualificou de “radicalização do princípio da presunção da inocência”. Ele defendeu ainda uma política institucional de defesa dos magistrados.

Qual era a sua relação com a juíza assassinada Patrícia Acioli?
Fábio Uchoa: Conheci Patrícia em 1987 na Comarca de Nova Iguaçu, quando ambos éramos defensores públicos. Ela era uma pessoa muito dedicada, muito combativa. Em 1989 voltamos a trabalhar juntos e, desde então, nós tornamos amigos, embora nos últimos anos estivéssemos afastados por conta do trabalho.

Como o senhor avalia a questão da escolta do juízes, que já gerou tanta polêmica?
A questão da segurança deve ser vista institucionalmente pelo Tribunal como um mecanismo geral de proteção dos magistrados, não deve ficar na dependência de alertas de ameaças sofridas. A situação da escolta envolve ainda compreender a necessidade de uma relação de confiança com quem a faz.

O senhor sofre ameaças? E o que pensa de sua segurança?
Eu creio que quem ameaça não vai matar ninguém. Se alguém pretende fazer mal a outro não vai alertar, já que irá prevenir este. Mas eu não sofro ameaças e me sinto seguro para desempenhar minhas funções.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra, colocou na cota da legislação penal brasileira a morte da juíza. O que o senhor pensa da legislação penal?
Eu creio que é necessário uma reforma da legislação penal e processual penal. Para determinados crimes, com maior gravidade, deve haver um tratamento processual mais rigoroso. Hoje, a pessoa comete um crime e logo depois é colocada em liberdade. A defesa vai esgotar todos os recursos e só depois de 15 anos é que será expedido o mandado de prisão.

Há uma visão muito rigorosa da presunção de inocência. Eu penso que o STF, especialmente, deveria relativizar um pouco essa presunção, de modo que ela se dobrasse ao menos quando há provas concretas nos autos. Imagine uma pessoa que comete um crime bárbaro, é flagrada por câmeras, é presa, confessa em juízo e ainda é liberado porque se presume que é inocente?

A presunção de inocência não é privilégio do Brasil, a presunção de inocência está prevista em todas as legislações de grandes democracias e isso em outros países não impede que aquele que comete um crime fique na prisão. Por fim acaba servindo como estímulo para a prática do crime, já que o bandido acredita, às vezes com razão, que ele será solto logo depois, ainda que seja preso.

A impunidade é o que fere o senso de justiça no Brasil?
A legislação está na contramão dos anseios sociais, então as pessoas reclamam de quem? Acabam reclamando da Justiça, mas se atribui à Justiça uma responsabilidade que nem sempre é dela, já que o juiz cumpre a lei. O juiz tem como limite a lei e como parâmetro as provas do processo. Se a pessoa é presa e a lei diz que o juiz tem que soltar, o juiz não pode prender. Se prender, sua decisão será de qualquer modo cassada por habeas corpus.

Hoje, a regra absoluta é a liberdade. As pessoas pensam que alguém foi preso por que praticou um crime, mas, juridicamente, no primeiro momento (antes de transitar em julgado uma sentença condenatória), não é isso. Nesse primeiro momento a pessoa só pode ficar presa não em razão do crime praticado, mas sim se houver outras circunstâncias, como garantia da ordem pública, perigo de fuga do réu ou necessidades da instrução criminal.

O presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), Antônio César Siqueira, defendeu a transferência dos processos em julgamento na 4° Vara Criminal de São Gonçalo para outra comarca. É importante fazer isso?
Vai depender muito de como se comportam emocionalmente os jurados no momento em que forem submetidos a estes processos. A lei prevê essa possibilidade quando houver dúvida quanto à parcialidade do jurado, seja para condenar ou absolver. Se houver o risco de os jurados se sentirem “oprimidos” aqui, certamente será postulado o “desaforamento” (mudança de fórum).

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